sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Abuso policial em SP

28/12/2007

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; será?

Roque Ferreira

A realidade concreta da sociedade brasileira prova de forma cotidiana que não. A igualdade jurídica inscrita na Constituição Federal não se aplica às classes subalternas economicamente e estigmatizadas historicamente, como os negros.

A tortura seguida de morte do jovem Carlos Rodrigues Junior, 15 anos, no dia 15/12/07, não é um caso isolado ou um "excesso" do exercício da profissão praticado por maus policiais; é a prática cotidiana que humilha, agride e violenta a maioria da população trabalhadora composta por negros e brancos pobres.

A polícia representa o aparelho repressivo do Estado que tem sua atuação pautada no uso da violência legítima. E é isso que diferencia o policial do marginal. Neste episódio, existe o agravante de a violência ilegítima ter sido praticada por agentes do Estado, que detêm o monopólio do uso da força.

A diferença entre o policial e o marginal é imperceptível nos espaços urbanos ocupados pelas classes populares. Nestes locais a única presença visível do Estado é a do seu aparelho repressivo que confina, agride e mata principalmente a juventude, fazendo assepsia social e racial. É um verdadeiro genocídio, como demonstram todas as estatísticas.

A barbárie ocorrida no Mary Dota só ganhou as proporções atuais porque os marginais fardados "levaram azar", pois o jovem veio a morrer depois de ser torturado. Este modo de operação que provocou a tragédia é pratica cotidiana dos aparatos policiais, que não respeitam o que está consagrado no artigo quinto da CF:

III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada à assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

A violência policial vem se mantendo nas entranhas da sociedade brasileira - e em Bauru não é diferente - por diversas razões, mas a principal delas é pela tolerância hipócrita de parcelas da própria sociedade com esse tipo de prática.

Existe uma demanda dentro de parcelas da sociedade para a prática da violência policial. É esta violência que serve a esta parcela em vários aspectos e circunstâncias, mas especialmente no tocante à solução dos crimes contra o patrimônio e na repressão às classes populares. Aceitam uma polícia corrupta (que livra de flagrantes os filhos das classes abastadas) e arbitrária (que utiliza a tortura e o extermínio como métodos preferenciais de trabalho e que atingem na sua maioria as classes populares).

A mobilização de vários atores sociais neste caso é o que garantirá que a impunidade não irá prevalecer.


O autor, Roque Ferreira, é coordenador nacional do Movimento Negro Socialista

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