quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A crise chegou?

Luiz Bicalho – janeiro/2008

No ano passado, durante uma das quedas da bolsa, o Presidente Lula anunciou que a crise não chegaria ao Brasil. Agora, em janeiro, os "analistas" de plantão nos principais jornais do mundo estão divididos, meio a meio, entre aqueles que acham que a crise não abalará as economias "emergentes", como Brasil, India e China e aqueles que acham que os efeitos da crise serão menores nestes países. Ah, sim, todos concordam que a crise está chegando ou já chegou.

Se fossemos medir a vida diária pelos solavancos das bolsas de valores, a vida sofreria impactos violentos. Um dia a bolsa sobe, no outro dia cai mais ainda. Mas, existe uma tendência e a tendência é a queda dos valores das ações (a perda de valor na bolsa brasileira chega a 400 bilhões de reais, ou seja, 10 vezes mais que o governo arrecadaria com a tal da CPMF). Cada subida é seguida por uma queda maior, onde se misturam boatos, conversas, meias medidas, medidas inteiras tomadas por governos e banco centrais, onde tudo é cada vez mais volátil e nada é seguro. A melhor coisa que todos os analistas dizem aos clientes que compraram ações é "não venda"...e eles continuam vendendo. Mais de 4 bilhões de dólares de capital estrangeiro tinham saído da bolsa de valores de São Paulo no começo deste ano.

Simplificando o que dizem os analistas, para eles toda a origem da crise é o fato de que empréstimos feitos com poucas garantias para compra de casas nos EUA (e, atenção, este mesmo tipo de empréstimo foi feito na Europa) não foram pagos; Para garantir os bancos e investidores, estes emprestimos tinham sido empacotados pelos bancos e transformados em "fundos" que foram vendidos para outros bancos nos EUA e no mundo inteiro, ou seja, tomava-se dinheiro do mundo inteiro para emprestar aos compradores de casa nos EUA; tinham sido contratados seguros de bancos e empresas no caso dos empréstimos e dos fundos não serem pagos. E o problema, ainda segundo os analistas, é que as próprias seguradoras não conseguiram segurar a onda porque o numero de empréstimos não pagos foi alto demais.

Tudo isso é verdade? É. Mas este não é o único problema, o problema real é a forma como o capital vem sendo reproduzido, forma essa que é conseqüência do desenvolvimento do capitalismo e não pode ser mudada por ações de bancos centrais ou tomada de decisões de governos. Sim, olhar o obvio, como fazem todos estes analistas equivale a levantarmos de manhã, vermos as nuvens escuras e decretar: vai chover. Mas, no dia anterior, para saber o tempo no dia seguinte, os meteorologistas, armados com as teorias sobre a variação climática, escolhem e recebem os dados de satélites e estações de medição, tem que correlacionar estes dados com as teorias conhecidas sobre mudanças de tempo e então fazer uma previsão com uma determinada precisão: há 80% de chance de chover.

Na economia, poderia valer uma situação destas. Mas, aqueles que tem os dados, os economistas e banqueiros dos grandes bancos, dos bancos centrais, não tem o essencial: a teoria. E os que tem a teoria, por serem os combatentes mais renhidos contra o sistema, por saberem que o melhor guarda-chuva que nos protegerá das tempestades e furacões capitalistas é a luta encarniçada pelo socialismo, nunca conseguem todos os dados necessários. Assim, trabalhamos com o pouco que vem a tona durante as crises e com os dados soltos nos balanços e analises dos economistas burgueses.

E de onde partimos para buscar os dados? A começar que o sistema capitalista é movido pela busca do lucro, de aumentar a taxa de lucro, da competição entre os diferentes grupos e capitalistas nesta busca. Que o lucro advem da exploração da força de trabalho, do trabalho não pago (mais valia), que para ser realizado é necessário produzir e vender e, após a sua realização é distribuído – no lucro industrial, nos impostos, nos juros e dividendos pagos a bancos, etc. Esta é a base real sobre a qual se estrutura a economia e sobre a qual o desenvolvimento capitalista chegou a um estágio tal em que luta pelos dividendos e juros se torna brutal e é onde se concentra uma boa parte da competição capitalista.

Os analistas burgueses de plantão se perguntam quando a crise chega as bolsas: esta crise vai afetar a economia real? Ora, ora. Einstein dizia que o problema da ciência não é obter as respostas, mas saber fazer as perguntas. A pergunta real é: quais foram os acontecimentos na economia real que levaram a esta crise nas bolsas? E, a partir daí, quais as conseqüências?

A economia capitalista salvou-se da crise dos anos 20-30 do século XX fazendo a maior carnificina já vista pela humanidade: a II Guerra Mundial, onde disputaram os mercados os diferentes imperialistas, assim como disputaram o direito de invadir a URSS, destruir o estado operário e reconquistar este espaço para o capital. O resultado da guerra foi que o vencedor, os EUA, impuseram aos vencidos a sua moeda e o seu mercado. O dólar foi artificialmente ligado ao valor do ouro e todo o comercio mundial passou a ser feito em dólar. Ao fim da II Guerra os EUA produziam entre 40% a 50% dos bens mundiais.

Mas a guerra teve outra conseqüência. A revolta da classe operária levou a revolução operária a uma altura não vista antes. A ocupação do leste europeu pela exercito vermelho levou a expropiação do capital nestes países. A Revolução Chinesa muda a face da Ásia. Cuba faz uma revolução. E se a revolução não chegou aos países "ocidentais", aos países imperialistas, isso se deu pela ação dos partidos comunistas e socialistas que frearam e impediram este desenvolvimento. A IV Internacional fundada por Trotsky revelou-se fraca demais – numérica e politicamente - para conseguir ajudar a impulsionar e concretizar estas revoluções. No final dos anos 50, inclusive com uma imensa propaganda e ação anti-comunista nos EUA (MacCarthy) a revolução tinha sido freada, mas não derrotada. A economia crescia a ritmos galopantes, reerguendo-se por cima dos escombros da II Guerra, reconstruindo com base em créditos governamentais garantidos pelo Tesouro dos EUA (que concentrava em suas mãos praticamente todo o ouro mundial), reconstruída na base das industrias de guerra animadas pela paranoia anti-comunista e pelas guerras reais que o imperialismo deflagrava no mundo para impedir o avanço da revolução – Coreia, Vietnã, Africa, Oriente Médio...

O capitalismo crescia novamente, em um estado de podridão como nunca havia feito antes, onde os pés de barro de um mercado financeiro que cada vez tomava ares maiores frente a produção real eram escondidos pelos números tronitantes da economia. Esse crescimento era, naturalmente, sentido pela classe operária que buscava lutar por seus direitos, que tinha conquistado imensos direitos quando a burguesia no final da guerra entregou os anéis para salvar os dedos e levou a revolução de 68 que percorreu o mundo como um jato de ar fresco, tanto no Oeste como no Leste europeu, na França e na Tchecoeslováquia. Novamente, a revolução foi derrotada com a ajuda dos partidos comunistas e socialistas, mas a economia do dólar começava a entrar em declínio. A produção reconstruída da Europa e do Japão já dava seus ares no mercado mundial e em 71 finalizava-se a paridade artificial ouro-dolar e em poucos anos o dólar desvalorizava-se a olhos vistos. De 30 dolares a onça (uma medida de peso) chegou hoje a quase 900 dolares, 35 anos depois do fim da paridade, uma multiplicação por 30! O dinheiro desvaloriza-se, a produção dos EUA hoje representa algo em torno de 25% da produção mundial. E o estalinismo conseguiu, enfim, destruir o estado operário e trazer o capitalismo de volta a URSS no inicio dos anos 90. Isso criou um novo fôlego ao capitalismo, fustigado pelas revoluções políticas no leste europeu durante os anos 80 e pela retomada das revoluções na America Latina, do qual a Venezuela é uma continuação algo atrasada.

A destruição do estado operário Russo, da URSS foi o maior desastre da história da humanidade. A expectativa de vida baixou bruscamente, a produção caiu mas...o lucro subiu. E para o capitalismo isso é tudo. A entrada do capitalismo na China, feita de uma forma "controlada" pela burocracia do PC Chinês, permitiu ao lado da destruição da URSS um novo fôlego a economia capitalista empodrecida com o crescimento realizado na forma de investimentos improdutivos – armas, drogas, prostituição – e na sustentação cada vez maior de um "mercado" de produtos "financeiros" onde o lucro parece estar descolado da produção.

O problema é que os investimentos reais, financiados por esta ciranda financeira, não deram os lucros esperados. A guerra do Afeganistão não conseguiu construir o gaseoduto gigante para exploração do gás natural existente nas republicas nascidas com o fim da URSS no sul da Russia. A invasão do Iraque não conseguiu retomar a produção de petróleo. E o crédito que foi feito pensando-se nos lucros de tais operações não foi pago. O resultado – uma crise que é contabilizada como "crise de crédito", como se nada tivesse a ver com operações bem reais de investimento capitalista que não deram certo (pois a guerra é o melhor investimento quando se trata de conquistar mercados).

A crise chegou? Começou, embora não disponhamos de todos os dados para saber até onde vai. No momento em que escrevemos estas linhas o segundo maior banco francês Société Générale informou que uma fraude relacionada à atividade de um operador irá resultar em uma perda de 4,9 bilhões de euros (cerca de US$ 7,1 bilhões). O governo Frances declara que isso "nada tem a ver com a crise". Mas no momento em que as perdas dos bancos concentram as crises, isso não levará a um aceleramento da crise?

Não temos e não podemos ter todas as respostas. Sabemos que o capitalismo sempre poderá achar novas saídas. O Brasil mostra isso – o crescimento econômico chegou a 5% o ano passado e a massa salarial cresceu 3%, ou seja, aumentou a parte devida a burguesia. Esta será sempre a saída capitalista – destruir uma parte, desempregar, aumentar a exploração. Num caminho sem volta em direção, não diretamente, mas numa espécie de espiral mal desenhada, com solavancos, em direção a barbárie, a destruição da civilização e da própria espécie humana que o chamado "aquecimento global" prenuncia. O remédio é amargo, mas deve ser menos amargo que a guerra do trafico que assolar os morros do Rio de Janeiro: é organizar a classe operária e fazer uma revolução que varra o capitalismo e seus males da face da terra.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Um remendo sem justificativa

O Jornal Estado de São Paulo, edição de 14 de janeiro de 2008, explica em uma matéria sobre um possível plano do governo de recriar a CPMF:

A perda de R$ 40 bilhões de receita este ano com o fim da CPMF impedirá o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lançar o PAC da Saúde, que previa a destinação adicional de R$ 24 bilhões para a área até 2011. Este ano, o plano era aplicar mais R$ 4 bilhões.

Para que possamos gravar bem os números: o governo alega ter perdido 40 bilhões com a CPMF. E a "area economica" do governo propõe recriar a CPMF para garantir mais 4 bilhões? Afinal, quanto se gasta com a saúde e quanto seria necessário? A matéria do jornal prossegue na explicação:

A área econômica já avisou ao relator da proposta orçamentária de 2008, deputado José Pimentel (PT-CE), que os recursos para as ações e serviços públicos de saúde serão aqueles definidos pela Emenda Constitucional 29: o montante executado em 2007 corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Isso significa que a área terá R$ 47,8 bilhões este ano.

"Com esse dinheiro, o ministro José Gomes Temporão (da Saúde) não paga os compromissos de seu ministério", disse ontem o deputado Darcisio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde no Congresso, que é integrada por 24 senadores e 246 deputados. "É preciso garantir, no mínimo, mais R$ 6 bilhões.."

Não pretendemos aqui contestar os números do governo ou dos deputados de sua base (o PMDB integra a base do governo). Mas, no mínimo é estranho que o governo fale que necessite de mais "4 bilhões" (10% do orçamento atual) para o PAC saúde e um deputado fale que o Ministério para continuar a funcionando necessitaria de mais "6 bilhões". Então, qual a conta? 4 bilhões? 6 bilhões? A soma dos dois (necessidade de funcionamento, 6 bilhões e investimentos, 4 bilhões) 10 bilhões?

Qualquer que seja a conta, a realidade está muito distante daquilo que o governo falava: preciso da CPMF para garantir o funcionamento da saúde. A explicação, que nenhum deputado ou senador quiz dar na época, é que a CPMF, junto com a Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL) integram o orçamento da chamada Seguridade Social (Saude, Previdência e Assistência Social). É isto que diz a constituição federal e as leis. Fazer as contas como deveriam ser implicava em reconhecer, em primeiro lugar, que nunca existiu o tal débito da Previdência que levou a famosa Reforma Previdenciária de Lula (depois da Reforma de FHC). Fazer as contas implicava em reconhecer que a atividade economica encontrava-se em alta e este orçamento era mais superavitário que nunca!

O governo fez as contas, mas não fez as contas só economicas. Lula declarou por ocasião da derrota da CPMF que isto não impediria o governo e que não necessitava de nenhum pacote. Mas, ele fez um pacote. Porque?

A verdade é que a discussão serviu como uma luva para Lula criticar a oposição e justificar os problemas da saúde jogando-os nas costas da oposição. Que também faz o seu papel, assumindo sua "responsabilidade" e não explicando a verdade: o dinheiro da CPMF era utilizado para o pagamento dos juros da dívida, para o tal do superavit primário, para onde vão a maior parte dos recursos do governo. Enquanto que a Saude terá este ano um orçamento de 47 bilhões (Emenda 29, que "garante" os recursos da saúde), o pagamento de juros vai consumir algo em torno de 160 bilhões (4 vezes mais!). Sobre isso, oposição e governo concordam: é preciso garantir o superavit primário, é preciso garantir o dinheiro dos especuladores e banqueiros. Aos coitados que sofrem e morrem nas filas dos hospitais públicos, que morrem agora de febre amarela, o Ministro Temporão tem a explicar: "não é um epidemia, não se assustem".

Mas o governo quer mais, modifica alguns valores de impostos e explica, novamente, que é para "resolver o problema da saúde". Quais foram estas modificações?

Neste novo plano, será aumentada o IOF (Imposto sobre transações Financeiras) e a CSLL (Contribuição sobre o Lucro Liquido) dos bancos. Como isto atingirá o comum dos mortais?

Em primeiro lugar, devemos notar que uma parte dos trabalhadores, os que ganhavam até 3 salários mínimos eram isentos da CPMF, tendo para tanto um desconto na alíquota do INSS. Ou seja, o fim do CPMF é "neutro" para estes trabalhadores, nem ganham nem perdem. Com o aumento do IOF eles, isso sim, passam a pagar mais por qualquer empréstimo que fizerem (medida que vai repercutir na taxa de juros)

Depois, para um grande numero de trabalhadores que hoje depende dos cartões de crédito e de empréstimos pessoais para o dia-a-dia, será como se quase nada tivesse acontecido: o fim do CPMF é "compensado" com o aumento do valor dos juros dos empréstimos.

Os bancos aumentarão taxas e juros por conta do aumento da CSLL? Precisa se ver o futuro. O lucro bancário está muito alto e, de qualquer forma, estes valores retornam aos bancos via pagamento de juros…Já ontem, o jornal O Globo fez um estudo mostrando que os 10 maiores bancos tinham aumentado suas taxas de juro nos empréstimos pessoais.

De qualquer forma, o fim da CPMF "justifica" os problemas pelos quais passa a Saúde, que não vieram deste fim. Aliás, a saúde pública encontra-se na UTI faz tempo e a manutenção do CPMF não teria modificado nada, já que a política para o setor (Municipalização, destruição dos serviços nacionais, etc) levam a destruição e sucateamento da saúde. Como partimos de um quadro já ruim, o que temos é o verdadeiro caos que atinge as grandes cidades como Rio e São Paulo no atendimento emergencial, no incêndio do Hospital das Clinicas de São Paulo, no escândalo das mortes que poderiam ser evitadas se houvesse médicos, equipamentos e medicamentos no momento em que doentes chegam em postos de saúde e hospitais. Para não dizer que mentimos, a febre amarela ressurge em …Brasília, na capital do País!

Isto sem falar nos que morrem sem ter conseguido chegar no hospital ou nas datas de atendimento, os que morrem por falta de medicamentos, os que morrem porque não tem datas para se marcar cirurgias e tratamentos.

Sim, a discussão no Congresso, nos jornais, é sempre quanto se tem de dinheiro, se tem mais impostos ou não. Para os que sofrem e morrem nos hospitais e postos de saúde cada vez mais sucateados, esta discussão parece estar no limbo.

Seriam possíveis outras medidas? A CUT, por exemplo, explica:

Com o fim da CPMF, os 40 bilhões previstos para 2008 deixam de ser arrecadados, comprometendo investimentos em áreas sociais importantes para o conjunto da população, sobretudo a saúde, a previdência e os programas sociais, como o Bolsa-Família.

Num manifesto público assinado por Emir Sader, o economista Reinaldo Carcanholo, Dom Thomas Balduino (CPT), Luis Bassegio (Grito dos Excluídos) senador Marcelo Crivella (Igreja Universal), João Pedro Stedile (MST), Luana Bonone (executiva da UNE) e José Antonio Moroni (direção da Abong), Plinio de Arruda Sampaio (PSOL) é explicado:

As classes ricas do Brasil se articularam com seus políticos no Senado Federal e conseguiram derrubar a CPMF, depois de sua renovação ter sido aprovada na Câmara dos Deputados.

A CMPF era um imposto que penalizava os mais ricos e 70% provinha de grandes empresas e bancos. Sua forma, impedia sonegação, e permitia que a Receita Federal checasse as movimentações financeiras com o imposto de renda, evitando fraudes e desvios.

Se a CUT não vai tão longe (diz que o CPMF era usado para o orçamento da seguridade social, o que não era verdadeporque governo após governo repetiam o "déficit" da previdência que só "existe" porque a CPMF nunca foi contabilizada na seguridade social), Plinio de Arruda Sampaio, Stedile e Marcelo Crivella vão: "imposto que penalizava os mais ricos". Nunca foi. A CPMF era cobrado de todos, no valor igual de 0,38%. Portanto, um pobre que comprava um pão ou um rico que comprava o seu champagne, todos pagavam o mesmo valor. Mais, as mercadorias importadas – que são consumidas mais pelos ricos – pagavam o valor na sua compra e venda (0,38% em cada operação). A fabricação de um pão pagava o valor em cada etapa – na compra do trigo, nos salários, no aluguel da padaria, em cada insumo, na energia. Ou seja, o imposto atingia mais fortemente mercadorias fabricadas aqui (que é o que consomem os trabalhadores) que os importados (consumo maior dos ricos). Resumindo, o imposto penalizava sim, mais fortemente os pobres.

Posteriormente, a CUT continua:

O aumento da taxação dos lucros dos bancos atende a uma reivindicação antiga dos movimentos sociais. Continuaremos na luta por políticas que pesem sobre os impostos diretos que taxem os ricos, como a constituição de uma nova estrutura da Tabela de Imposto de Renda e o aumento do hoje inexpressivo Imposto Territorial Rural - ITR; o aumento da taxação sobre a herança e a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, conforme já previsto na Constituição Federal de 1988.

Deveriamos precisar: junto a isto é necessário o tabelamento dos juros e de taxas, que impedissem o repasse deste imposto aos trabalhadores. Mas são justas as demais reivindicações, particularmente quanto o numero de milionário brasileiros, pelo segundo ano consecutivo, cresceu mais de 40%! Aumentar a tabela do imposto de renda para os mais ricos e diminuir dos que ganham salários (a reivindicação histórica da CUT é que quem ganha abaixo de 10 salários mínimos não paga este imposto) é justo, assim, como aumentar o ITR e criar o imposto sobre Grandes Fortunas.

Mas o Manifesto de Plinio de Arruda Sampaio, Stedile e Marcelo Crivella, o Manifesto que junta o PSOL, o MST e a Igreja Universal vai em outra direção, vai na direção do puro governismo (no que Marcelo Crivella acerta, já que seu partido faz parte da base de sustentação do governo):

Agora, o Governo Federal tomou a iniciativa de aumentar o imposto sobre operações financeiras (IOF),o lucro liquido dos bancos e retornou o imposto sobre remessa de lucros pro exterior. Foi uma medida acertada e justa. Pois atinge os mais ricos e sobretudo os bancos, o sistema financeiro e empresas estrangeiras

Já explicamos que o aumento do IOF vai atingir justamente os mais pobres (que ganham menos que 3 salários mínimos), pois eles antes não pagavam o CPMF e agora terão que pagar o IOF em qualquer empréstimo que fizerem (os famosos créditos para comprar produtos populares de que Lula tanto se orgulha). Já atingiu o crédito consignado dos aposentados. Mas, se Crivella continua na sua velha posição, Stedile e Plino de Arruda inovam:

Defendemos que a redução de gastos públicos, tão exigido pela direita, sejam feitos no superávit primário e no pagamento dos juros das dividas que representam uma enorme transferência de recursos para meia dúzia de banqueiros.

Redução no superávit primário e no pagamento dos juros? E onde foi parar a bandeira histórica de todos os trabalhadores de não pagamento da dívida? De grão em grão a galinha enche o papo, já dizia um velho ditado popular e se começamos a apoiar as medidas do governo sem refletir terminamos...apoiando o pagamento da dívida (com redução, é claro...).´

No Congresso, aliás, o que mais se tem no momento é a velha discussão de qual emenda parlamentar vai ser cortada, qual vai ser mantida num ano de eleições municipais (traduzindo: qual obra paroquial, uma ponte aqui, um asfalto ali, uma iluminação ali, sem plano e sem direção, sem que se conserve ou se mantenha anos depois).

E o povo? E a saúde? E o que fazer para sair desta situação? A nossa compreensão é que precisaríamos, isso sim, de um Sistema Nacional de Saneamento e Vigilância Sanitária (com planos de investimento públicos em redes de água e esgoto, com planos para erradicação de moléstias e vetores de transmissão de doenças endêmicas e epidêmicas como febre amarela, dengue e cólera), de hospitais e postos de saúde públicos construídos e geridos nacionalmente, a partir de dados do número de habitantes e não atendidos os municípios que tenham "influência" política, que sejam contemplados em "emendas" parlamentares, laboratórios públicos e fábricas de medicamentos públicos.

Isto poderia começar com a estatização de todos os hospitais e postos de saúde privados que recebem verbas públicas, com a estatização de todas as fábricas de medicamentos que receberam incentivos fiscais. O problema, como já analisamos em outros textos, é que o governo Lula, governo em que um partido de trabalhadores governa em coalizão com a burguesia, atende as necessidades da burguesia e a saúde, como sempre, só é lembrada nas negociatas das emendas parlamentares, nos planos que transferem dinheiro para hospitais e construtoras privadas e no dia que precisam de desculpa para aumentar impostos. Medidas que propomos podem ser aplicadas por este governo? Duvidamos. È preciso dar o passo no sentido de exigir o rompimento da coalizão com a burguesia para caminhar nesta direção.


 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Reflexões ao alvorecer de um novo ano


 

Alan Woods

07 de janeiro de 2008


 

Lênin disse uma vez: capitalismo é horror sem fim. É suficiente lançar um rápido olhar sobre o estado de nosso planeta na alvorada de um novo ano para concordar com esta afirmação. A crise econômica, guerras, terrorismo, convulsões políticas, fome, doenças e pobreza não são fenômenos isolados e sem conexão. São apenas os sintomas externos de uma crise global do capitalismo.

O ano de 2007 terminou com a morte de Benazir Bhutto, que provocou demonstrações de massa, revoltas e greves por todo o Paquistão. No Quênia, que se supunha ser uma das principais histórias de sucesso econômico da África e um exemplo brilhante de democracia, eleições fraudulentas levaram a uma explosão sem precedentes de lutas populares, carnificinas e massacres. A guerra no Iraque e no Afeganistão transformou-se num pântano sangrento sem fim à vista.

Não são fatos isolados, mas unicamente sintomas da crise geral do capitalismo, que, como Marx explicou, estão enraizados nas contradições entre o desenvolvimento das forças produtivas e a propriedade privada dos meios de produção e o estado nacional.

O sistema capitalista há muito tempo deixou de desempenhar um papel progressista. Ele é incapaz de desenvolver as forças da produção como o fez no passado (o que não significa que não há, em absoluto, nenhum desenvolvimento). A presente crise mundial é uma expressão da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e os acanhados limites da propriedade privada e do estado nacional.

O capitalismo cumpriu a sua função histórica de desenvolver o estado nacional e criar o mercado mundial nas décadas anteriores à Primeira Guerra Mundial. Toda a história do mundo a partir de então é um reflexo da revolta das forças produtivas contra os estreitos limites impostos sobre elas pela propriedade privada e o estado nacional.

No passado, como Marx e Engels explicaram no Manifesto Comunista, o capitalismo desempenhou um papel revolucionário no desenvolvimento das forças produtivas. A partir da Revolução Industrial, o mundo capitalista foi inteiramente transformado por taxas de crescimento econômico sem precedentes na história humana. A explosão de expansão econômica no período pós-Segunda Guerra Mundial, a última vaga real de avanço do capitalismo, viu a transformação do globo e o domínio completo do mercado mundial. Colocando as coisas em perspectiva, a economia mundial cresceu em termos percentuais nos vinte anos entre 1950 e 1970 tanto quanto nos mil anos entre 500 e 1500 dC.

O desenvolvimento da economia dos EUA no último ciclo econômico parecia a muitos uma prova irrefutável da vitalidade do capitalismo. O estonteante ritmo de inovação tecnológica, as alturas atordoantes alcançadas pelas bolsas de valores que pareciam não conhecer quaisquer limites, os lucros altos e ascendentes, o crescente número de milionários e bilionários. Seguramente, esta foi a última resposta a todos os que questionavam a economia de mercado – o presente da América para o mundo do século 21?

A exploração do mercado mundial ("globalização") proporcionou ao moribundo sistema capitalista um fôlego temporário ao absorver milhões de pessoas na Rússia, Leste europeu e China a sua esfera, disponibilizando novos mercados e fontes de trabalho barato e matérias-primas. Isto não revogou as contradições centrais do capitalismo, apenas as reproduziu em muito maior escala do que no passado. E está preparando as condições para uma recessão mundial de severidade sem paralelos no futuro.

Agora, estamos vendo o outro lado da moeda. A economia dos EUA está reduzindo a marcha e a economia mundial encontra-se à beira da recessão. O mal-estar econômico afeta todo o planeta. Terríveis sofrimentos humanos, fome, má nutrição, analfabetismo e doenças atormentam a América Latina, a despeito de seus quase ilimitados recursos. A brecha que separa ricos de pobres transformou-se em intransponível abismo. Isto produz uma mistura explosiva que mina a estabilidade e causa freqüentes convulsões sociais e políticas.

A instabilidade das bolsas de valores revela o nervosismo da burguesia. Um único acontecimento – o assassinato de Benazir Bhutto – foi suficiente para causar uma queda aguda no preço das ações não apenas na Ásia, mas em todo o mundo, e elevou os preços do petróleo. Isto provocou uma clássica fuga de capital para ativos considerados seguros em tempos de instabilidade global. Nos mercados financeiros internacionais, o ouro e os títulos governamentais sobem enquanto o mercado de futuros dos EUA caiu depois das notícias do assassinato.

As perspectivas para a economia mundial em 2008 são realmente sombrias. Contudo, Lênin explicou há muito tempo que não existe essa estória de "crise final do capitalismo". O marxismo entende a história como uma luta de forças vivas e não como um esquema abstrato com resultado pré-determinado. Se a classe trabalhadora não o derrubar, o sistema capitalista sempre encontrará uma saída. Mas a classe trabalhadora defronta enormes obstáculos, não sendo o menor deles a liderança reformista das organizações de massa em cada país.

Existe uma analogia histórica?

É possível e instrutivo o uso de analogias históricas em geral, mas apenas se é reconhecido os limites de tais analogias. Existem paralelos entre o declínio e queda do Império Romano e a atualidade? É possível extrair uma analogia histórica da crise global do capitalismo senil? Sim, existem muitos paralelos, da mesma forma que existem paralelos com o período de declínio do feudalismo. Em todos estes casos vemos os mesmos sintomas: crise econômica, guerras e conflitos internos, decadência moral e uma crise de idéias, refletida na perda de convicção na velha religião e moralidade, acompanhada por uma ascensão das tendências místicas e irracionais, de um sentimento geral de pessimismo e de ausência de confiança no futuro, a decadência da arte e da cultura.

Alguns comentaristas não-marxistas têm observado este desconfortável paralelo. Julian Fenner, da Universidade de Manchester, escreve:

"O moderno e industrializado ocidente parece compartilhar várias das características que predominaram durante a 'era dourada' do Império Romano. O crescente sentimento de negatividade revela-se de vez em quando, como ocorre com a obsessão com a violência (os esportes sangrentos em Roma, os filmes de Hollywood e os vídeos-game agora), com o sexo e os vícios. Outro paralelo interessante é o crescimento de religiões orientais, que apareceram em Roma numa tentativa de preencher o vazio espiritual, e o crescimento da discriminação pelas pessoas idosas. A crescente popularidade de religiões misteriosas é também um sinal da influência que as classes mais baixas estão exercendo sobre as classes mais altas e, por essa razão, representam um tipo de 'barbarismo' da cultura" (To what extent were economic factors to blame for the deterioration of the Roman Empire in the Third Century A.D? Julian Fenner).

São estas as características que se podem esperar encontrar numa sociedade que esgotou seu papel progressista e é incapaz de desenvolver as forças produtivas como fez no passado. Em todo caso, há um sentimento de que "o fim do mundo está se aproximando". Na Roma antiga, esta convicção encontrou o seu reflexo na religião cristã que pregava que o mundo estava a ponto de terminar em chamas de um dia para o outro. No período de declínio do feudalismo, as seitas flagelantes marchavam através das cidades e povoados prevendo o fim do mundo. Nos dois casos, o que se estava a aproximar não era o fim do mundo, mas o fim de um determinado sistema sócio-econômico (a escravidão, o feudalismo).

Em seu celebrado livro The Waning of the Middle Ages [A decadência da Idade Média], Johan Huizinga escreve:

"Um sentimento geral de iminente catástrofe paira sobre tudo. Perigos constantes prevalecem em todos os lugares [...] O sentimento de insegurança geral provocado pelo hábito crônico de guerras se estabeleceu, pela ameaça constante das classes perigosas, pela desconfiança da justiça, e foi mais tarde agravado pela obsessão do próximo fim do mundo e pelo medo do inferno, dos feiticeiros e dos demônios [...]. Em todos os lugares as chamas do ódio se levantam e reina a injustiça. Satanás cobre uma terra escura com suas sombrias asas".

Mas há uma importante diferença. O inaudito desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que, por um lado, proporcionou à humanidade as bases materiais para a criação de uma nova civilização, também criou um potencial de destruição sem precedentes. A voracidade dos capitalistas por lucro ameaça o futuro não somente da cultura e da civilização, mas também o futuro da própria raça humana. A destruição do meio-ambiente, o envenenamento do ar que respiramos, da comida que comemos, da água que bebemos, coloca uma terrível ameaça para as futuras gerações.

Conclusões revolucionárias

O capitalismo não é eterno, nem um sistema sócio-econômico dado por Deus como a maioria das pessoas pensam. Mas é de fato um fenômeno muito recente com um passado turbulento, um vacilante presente e seja como for sem nenhum futuro. Sobreviveu a sua turbulenta infância e sua confiante e otimista maturidade descansa no passado. Entrou numa fase de declínio e decadência terminal, que pode durar algum tempo – como também demorou a decadência de Roma. E as conseqüências negativas disto se abaterão pesadamente sobre os ombros da humanidade.

As consoladoras ilusões do passado, a noção de que a economia de livre mercado seria a chave que abriria todas as portas varrendo o caminho ao progresso e à felicidade universal, foram todas destruídas. De forma vaga, os ideólogos da burguesia sentem que o sistema que eles defendem está se aproximando de seu fim. Naturalmente, não podem aceitar isto. Um homem à beira de um precipício não é capaz de pensar racionalmente. A expansão de tendências irracionais, do misticismo e do fanatismo religioso reflete a mesma coisa.

Nesta fase do capitalismo, os períodos de crescimento não atenuarão as contradições em escala mundial, mas apenas as exacerbarão à enésima potência. Em sua fase descendente, ameaçará o mundo com as mais terríveis catástrofes.

No período de declínio do Império Romano as pessoas acreditavam que o fim do mundo estava se aproximando. Esta noção tinha sua mais clara expressão na religião cristã e no Apocalipse. No período de declínio do feudalismo a mesma noção foi renovada pelos Flagelantes e outras seitas milenaristas que confiantemente aguardavam o Dia do Julgamento, quando a Terra e todos os seus habitantes seriam consumidos pelo fogo. Mas, na realidade, o que estava se aproximando não era o fim do mundo, mas apenas o fim de um determinado sistema sócio-econômico que tinha exaurido o seu potencial progressista.

A crise do capitalismo produziu uma reação oposta. Há agora um crescente interesse pelas idéias marxistas. O assim chamado movimento antiglobalização e a onda de manifestações "anticapitalistas" revelam a existência de fermentação no meio da juventude pequeno-burguesa. Os estudantes e a juventude da classe média refletem as contradições que estão amadurecendo nas entranhas da sociedade. Mesmo antes que a crise tenha amadurecido completamente, já há um questionamento geral do tipo de sociedade que estaria gerando tais horrores.

No lugar da antiga euforia, temos um sentimento geral de maus presságios e incertezas. Moralistas burgueses insignificantes têm uma visão superficial da situação: "Que mundo terrível!", dizem eles. Tais pessoas apenas são capazes de uma visão superficial e impressionista do mundo. Elas não têm nenhuma compreensão ampla dos processos históricos. Os mesmos horrores que vemos diante de nós acompanharam a decadência de cada sistema sócio-econômico anterior: Roma, feudalismo etc. Eles são os sintomas de uma sociedade nos espasmos de declínio terminal.

Esta é a agonia de morte do capitalismo. Mais apropriadamente, este é um sistema putrefato que já deveria estar morto. É totalmente anti-científico, anti-dialético e não-marxista lamentar-se das desagradáveis conseqüências da decadência do capitalismo. Isto se parece a um médico que lamenta os sintomas desagradáveis de uma doença, mas que não oferece nenhum diagnóstico nem cura.

É necessário dizer o que é: a propriedade privada e a produção para o lucro há muito tempo tornaram-se obstáculo para o livre desenvolvimento das forças produtivas e, por essa razão, também da cultura e civilização humana. No próximo período a humanidade as abolirá e instituirão um sistema econômico racional baseado num plano socialista democrático de produção. O primeiro passo nesta direção deve ser necessariamente, a nacionalização da terra, dos bancos e sociedades financeiras e das indústrias de base.

A revolução venezuelana em perigo

A revolução venezuelana inspirou os trabalhadores, os camponeses e a juventude de toda a América Latina e do mundo. As massas revolucionárias realizaram milagres. Mas a revolução venezuelana não está completa. Não pode ser completada até que exproprie a oligarquia e nacionalize a terra, os bancos e as indústrias de base que permanecem em mãos privadas. Depois de quase uma década esta tarefa não foi cumprida e isto representa uma ameaça para o futuro da revolução.

Essencialmente, este é um problema de liderança. Hugo Chávez mostrou-se ser um destemido lutador antiimperialista e um consistente democrata. Mas isto não é suficiente. A oligarquia venezuelana é asperamente oposta à revolução. Por trás dela encontra-se o poder do imperialismo EUA. Cedo ou tarde, a revolução venezuelana enfrentará a alternativa: ou uma coisa, ou outra. E exatamente como a revolução cubana foi capaz de realizar a expropriação dos latifundiários e do capitalismo, também a revolução venezuelana encontrará a necessária determinação para seguir o mesmo caminho, que é o único caminho.

Um papel pernicioso em tudo isto é desempenhado pelos reformistas, estalinistas e burocratas que ocupam postos-chave no Movimento Bolivariano e estão se esforçando por colocar freios à revolução, para paralisá-la por dentro e para eliminar todos os elementos de socialismo genuíno. Esses elementos estão constantemente dizendo a Chávez para não ir tão longe, para ser "mais moderado" e não tocar na propriedade privada da oligarquia. Desde que Chávez pela primeira vez colocou a questão do socialismo na Venezuela, os reformistas e estalinistas têm concentrado todas as suas energias para reverter a direção socialista da revolução, alegando que a nacionalização da terra, dos bancos e das indústrias seria um desastre, que as massas não estão "maduras" para o socialismo, que a expropriação da oligarquia afastaria a classe média e assim por diante. Se ele ouvi-los, a revolução encontrar-se-á em extremo perigo.

A derrota no referendo constitucional foi uma advertência de que as massas estão ficando cansadas de uma situação em que a infindável conversa sobre socialismo e revolução não está levando a uma mudança fundamental em suas condições de vida. Se esta desilusão das massas continuar, isto levará à apatia e ao desespero, o que preparará a contra-ofensiva das forças da reação que poderá minar a revolução e preparar uma séria derrota.

Uma era de apostasia

A alegada superioridade da economia de mercado é um mito e isto pode ser facilmente demonstrado pelo seguinte exemplo histórico. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando a Grã-Bretanha se encontrava em posição muito perigosa depois da queda da França em 1940, que fez a burguesia britânica? Disseram eles: "devemos descentralizar a economia, levantar todas as restrições e permitir que 'a mão invisível do mercado' faça os seus milagres?". Não! Eles centralizaram a produção, colocaram a indústria sob controle estrito do governo, introduziram a distribuição racional e a direção do trabalho. Numa palavra, eles introduziram uma economia baseada no princípio da economia planificada.

É verdade que sob o capitalismo uma efetiva planificação não é possível. A economia de guerra na Grã-Bretanha não foi socialismo, mas uma variante de "capitalismo de estado". Mas o ponto é que, quando estavam encurralados, os burgueses preferiram a economia planificada à anarquia do mercado porque dava melhores resultados.

A avalanche de ataques à noção de uma economia nacionalizada e planificada não se baseia na ciência, mas no cálculo. A burguesia não é de jeito nenhum confiante no futuro de seu sistema. Ela teme a revolução e está determinada a vacinar a nova geração contra ela. Para esta tarefa ela pode contar com a assistência de um exército de prostitutas pagas nas universidades e especialmente daqueles renegados que abandonaram o socialismo e o comunismo como os ratos que desertam de um navio naufragando.

A despeito dos horrores do estalinismo, a Revolução de Outubro na Rússia provou na prática a superioridade da economia nacionalizada e planificada. Provou que era possível administrar a economia de um vasto país sem latifundiários, banqueiros e capitalistas privados. Nas palavras de Leon Trotsky, ela provou a superioridade do socialismo não na linguagem do Capital de Marx, mas na linguagem do cimento, ferro, aço, carvão e eletricidade.

Graças às colossais vantagens da economia nacionalizada e planificada, a URSS deu enormes passos na educação, ciência, arte e cultura. Uma terra em que setores gigantescos da população eram analfabetos antes de Outubro e experimentaram uma revolução cultural como nenhuma outra anteriormente na história. Isto é algo que a classe dominante deseja remover da consciência da nova geração. Ela quer persuadi-la de que não há nenhuma alternativa viável ao capitalismo – que este é o "fim da história". Na verdade, a verdadeira história humana – a história do livre desenvolvimento de homens e mulheres – sequer começou.

Esses lamentáveis ex-esquerdistas, ex-comunistas e ex-marxistas entraram em competição para ver quem pode superar o outro na tarefa de caluniar o socialismo. Nisto, são motivados principalmente por razões mercenárias, mas também há um elemento moral envolvido. Abstiveram-se no passado de renunciar as suas convicções e talvez para aliviar a consciência culpada eles devam cuspir no próprio passado convencendo-se de que eram (para citar Heinz Dieterich) "pecados da juventude".

A luta pela teoria marxista

Em retrospecto histórico, a queda do estalinismo será vista exatamente como um episódio que marca o início de um terremoto ainda mais poderoso, a destruição do próprio capitalismo. Mesmo no curso do atual boom, um novo período na história do capitalismo está sendo preparado. Um período de sem precedentes e convulsivas crises em escala global que fará soar o dobre de finados de um imundo e decadente sistema de opressão e exploração e colocará na ordem do dia a transformação socialista da sociedade e a criação de uma Nova Ordem Socialista Mundial.

O capitalismo revelou a sua natureza reacionária em todos os lugares. Esta crise global tem dado origem ao questionamento do capitalismo de um país a outro. Mesmo as pessoas que carecem de uma compreensão científica podem ver os horrores do capitalismo, a desnutrição, injustiças, convulsões constantes, guerras etc. Mas devemos entender o outro lado da questão. Ao lado dos elementos reacionários, os elementos revolucionários estão amadurecendo. Fora deste caos, uma nova força está emergindo.

O caminho a percorrer seria imensamente mais fácil se os trabalhadores avançados e a juventude estivessem armados com as doutrinas científicas do marxismo: o materialismo dialético e histórico e a economia marxista (a teoria do valor-trabalho). De todas as existentes, esta é a mais moderna filosofia – uma filosofia que corresponde perfeitamente às necessidades do século 21. Ela nos proporciona todas as ferramentas básicas necessárias para analisar e entender a realidade viva, compreendida não como uma série de acontecimentos ou "fatos" áridos, desconexos e sem sentido, mas como um processo dinâmico, impelido por suas contradições internas, constantemente em mudança e com conteúdo infinitamente rico.

Os que romperam com o marxismo devem necessariamente rejeitar seus postulados teóricos mais básicos. Isto significa acima de tudo a rejeição do materialismo dialético – os fundamentos filosóficos sobre os quais o marxismo foi construído e que lhe proporcionam sua metodologia científica. Não é acidental que todos os inimigos do marxismo (Popper, Hook, Burnham e outros) sempre concentraram os seus ataques sobre este ponto.

Não é acidental que a tendência que tem defendido firmemente o marxismo contra os ataques da burguesia encontre-se sob ataque de pessoas que são completamente inabilitadas a responder os argumentos dos ideólogos do capitalismo e que capitularam totalmente perante a ideologia burguesa e pequeno-burguesa. Esses vociferantes inimigos da Tendência Marxista são antigos estalinistas e antigos trotsquistas. Mas estão totalmente unidos em seu ódio aos marxistas genuínos.

A razão deste ódio é muito clara: trata-se do notável êxito da Corrente Marxista Internacional (CMI) em escala mundial e a compreensão de que grande parte deste êxito flui da autoridade política que conquistamos através da publicação de livros como Razão e Revolução; Rússia, da Revolução à Contra-revolução; Bolchevismo, o Caminho da Revolução; A Revolução Venezuelana e muitos outros trabalhos que ganharam eco nas fileiras dos trabalhadores organizados e da juventude revolucionária.

Incapazes de produzir obras de teoria marxista, eles ciscam e cacarejam como galinhas no galinheiro sobre este ou aquele detalhe. No devido tempo, tomaremos de uma vassoura para afugentar essas galinhas ruidosas. Mas não seremos desviados de nossa tarefa central, que é a de defender a teoria marxista – acima de tudo o materialismo dialético – e responder aos argumentos da burguesia e dos reformistas.

Há muito tempo Engels explicou como era de vital importância a teoria para a vanguarda proletária: "Sem a filosofia alemã que o precedeu, acima de tudo sem a filosofia de Hegel, jamais teria sido criado o socialismo científico alemão, o único socialismo científico que já existiu. Se os trabalhadores carecessem de senso teórico, este socialismo científico nunca teria sido, na medida em que o é hoje, carne de sua carne e sangue de seu sangue. E a imensidade desta vantagem é demonstrada, por um lado, pela indiferença por toda teoria, que é uma das causas principais de que o movimento operário inglês avance tão lentamente, apesar da excelente organização de alguns ofícios, e, por outro lado, o demonstra o desconcerto e a confusão semeados pelo proudhonismo, em sua forma primitiva, entre os franceses e os belgas, e, na forma caricata que lhe deu Bakunin, entre os espanhóis e os italianos" (Engels, Prefácio a Guerras Camponesas na Alemanha).

Sem lutar pela teoria revolucionária é impossível construir a tendência revolucionária. As grandes idéias de Marx, Engels, Lênin e Trotsky são a bússola que nos dirige infalivelmente na direção certa. Neste ou naquele detalhe, poderia ser necessário introduzir algumas emendas. Mas o que é maravilhoso é o grau de preservação do frescor, exatidão e vitalidade destas idéias. Através das páginas de marxist.com estamos aptos a transmitir estas idéias a uma audiência mundial que cobre todos os continentes e cresce rapidamente.

A rapidez com que nossos artigos sobre o assassinato de Benazir Bhutto foram traduzidos em hebreu, árabe, persa, urdu, espanhol, italiano, português, alemão, holandês e outras línguas foi uma indicação disto. O primeiro artigo foi reproduzido em Lahore Post, junto a um longo extrato do programa socialista de 1970 do PPP [Partido do Povo do Paquistão]. Também foi publicado no mais importante jornal de Sindh.

Outros que se reivindicam marxistas lançaram a teoria ao mar como lastro inútil. É por essa razão que eles se encontram desesperadamente à deriva, incapazes de analisar o movimento de massas no Paquistão, México, Venezuela, Austrália – ou em qualquer outra parte e, por essa razão, são definitivamente incapazes de intervir efetivamente nele.

As seitas ultra-esquerdistas são "como um homem tolo, que construiu sua casa na areia: e a chuva caiu, e a enchente chegou, e o vento soprou, e se abateu sobre aquela casa; e ela caiu". Mas a Corrente Marxista Internacional fundada pelo camarada Ted Grant é forte, e cresce vigorosamente a cada dia, porque foi construída sobre a rocha: a rocha da teoria marxista, e, em primeiro lugar, do materialismo dialético.

Otimismo revolucionário

O capitalismo não é eterno ou estável. De fato, ele é menos estável que qualquer outro sistema sócio-econômico da história. Como qualquer outro organismo vivo ele muda, evolui e, dessa forma, passa através de um número de estágios mais ou menos claramente discerníveis. Não é preciso ter uma inteligência especial para perceber que a sociedade atual é um doente em estado terminal.

A questão do socialismo nunca foi colocada com tanta urgência como no tempo presente. Marx disse que a escolha perante a humanidade é socialismo ou barbárie. No período de decadência senil do capitalismo, a questão deve agora ser colocada de forma ainda mais aguda: a escolha perante a humanidade é o socialismo ou a eventual extinção da vida na Terra.

Não temos nenhum direito de abandonar a luta por um mundo melhor. Não temos nenhum direito de abandonar a humanidade ao seu destino. Aos covardes e céticos respondemos com as palavras escritas por Leon Trotsky em 1901, aos vinte e dois anos de idade:

"Dum spiro spero! [Enquanto há vida, há esperança!]

"... Se eu fosse um dos corpos celestes, olharia com total indiferença esta miserável bola de pó e sujeira... Brilharia da mesma forma sobre o bem e o mal... Mas sou um homem. A história mundial que, para você, impassível glutão da ciência, para você, guarda-livros da eternidade, apenas parece um momento insignificante na balança do tempo, para mim é tudo! Enquanto respirar, lutarei pelo futuro, aquele radiante futuro em que o homem, forte e belo, tornar-se-á o condutor do fluxo de sua história e a conduzirá em direção a ilimitados horizontes de beleza, gozos e felicidade!...

"O século dezenove sob vários aspectos satisfez as esperanças do otimista, mas em muitos mais aspectos as ludibriou... Isto o compeliu a transferir a maioria de suas esperanças para o século vinte. Onde quer que o otimista tenha se confrontado com uma atrocidade, exclamou: como pode isto acontecer no limiar do século vinte! Quando ele pintou maravilhosos quadros de um futuro harmonioso, ele os colocou no século vinte.

"E agora este século chegou! E o que trouxe em seu início?

"Na França – a espuma venenosa do ódio racial [aqui, se refere ao caso Dreyfus]; na Áustria – a discórdia nacionalista...; na África do Sul – a agonia de um minúsculo povo que está sendo assassinado por um colosso [A guerra bôer]; nas próprias ilhas 'livres' – hinos triunfantes à voracidade vitoriosa de especuladores xenófobos; dramáticas 'complicações' no leste; rebeliões de massas populares famintas na Itália, Bulgária, Romênia... Ódio e assassinatos, fome e sangue...

"Parece que o novo século, este gigantesco recém-chegado, estivesse inclinado desde o seu primeiro momento a mergulhar o otimista no pessimismo absoluto e no nirvana cívico.

"- Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à esperança! Troveja o século vinte em salvas de fogo e em estrondos de armas.

"- Renda-se, patético sonhador. Aqui estou eu, seu longamente esperado século vinte, seu 'futuro'.

"- Não, replica o otimista: você – você é apenas o presente".

Outros podem abandonar a luta revolucionária pelo socialismo. Nós permaneceremos firmes em nossas convicções, firmes com as idéias científicas do marxismo e em nossa inabalável fé na classe trabalhadora e no futuro socialista da humanidade. Juntem-se a nós nesta luta!


 

Londres, 07 de janeiro de 2008.


 


 


 

sábado, 5 de janeiro de 2008

Preparações


 

Nos EUA, a bolsa de valores caiu um pouco com a divulgação dos dados de emprego de dezembro, mostrando um aumento do desemprego (de 4,7% para 5%). Após muitos anos este valor é atingido, em um mês que tradicionalmente aumenta-se o numero de pessoas empregadas. Ao lado disso, o preço do ouro sobe e atinge records comparáveis aos de 1980, em torno de 850 a 860 dólares a onça. O dólar, compreensivelmente, cai de valor frente as outras moedas e o preço do petróleo, em dólar, aumenta.

Tudo isso confirma o que já escrevemos antes: a moeda tem um valor que não cai do céu mas que é explicado por Marx (O Capital). Os resultados da guerra do Iraque, com o não retorno do valor investido, leva a queda do valor do dólar. O que foi tomado como previsão de pagamento futuro (os empréstimos) tem que ser pagos. E não conseguem ser pagos. Aumentam as falências pessoais (uma figura jurídica que praticamente não existe aqui no Brasil) em 40%! As casas são devolvidas e aparecem notícias de bairros inteiros que viram "fantasmas" em virtude de seus moradores serem despejados por falta de pagamento. A crise chegou?

Não, ela não chegou e todas as medidas que se tomam pelo imperialismo são uma tentativa desesperada de impedir a sua chegada. Mas tal qual aquele motorista que "sente" o carro deslizando em um asfalto cheio de óleo e sabe que não pode pisar no freio que ele vai deslizar mais, cada medida é uma "pisada no freio" que leva a mais deslizamentos rumo a crise.

Os preços das matérias primas, bruta ou semi-industrializadas, dos produtos agrícolas, sobem. As reservas internacionais do Brasil chegam a 180 bilhões de dólares (mais que o Pais deve de dívida externa), aplicados em títulos dos EUA (o Brasil se tornou o 4º maior pais com investimentos em títulos americanos, atrás da Inglaterra, China e Japão)

Os maiores compradors da dívida norte-americana não estão mais tão disponíveis a serem credores do que costumavam. De acordo com informações do Departamento do Tesouro, os cinco maiores credores dos EUA (Japão, China, Reino Unido, grandes petroleiras e Brasil) eram donos de um total de 1,224 trilhões de dólares em agosto de 2006 e 1,459 trilhões em agosto de 2007. Este é um aumento de 235 bilhões. Neste período de um ano, as únicas grandes compras vieram do Reino Unido (189,4 bilhões) e do Brasil (63,6 bilhões). A China aumentou seu investimento em apenas 13 bilhões e o Japão vendeu papéis no valor de 37,9 bilhões. Em outras palavras, os bancos centrais asiáticos – que costumavam ser compradores contumazes de dívida norte-americana – simplesmente não estão mais interessados.

Em ultima análise, o Banco Central brasileiro comporta-se como uma filial do BC dos EUA e, sob o argumento de "enxugar" dinheiro no mercado brasileiro, realiza a transformação de reais em dólares, operação que ao longo dos anos transformou a antiga dívida externa na divida interna de mais de um trilhão de reais e que paga juros de mais de 160 bilhões de reais anualmente. Para se ter uma idéia, o que pagamos de juros por ano representa 4 vezes o que o governo pretendia arrecadar com a CPMF. E porque a transformação de reais em dólares aumenta o problema. Um economista, Celso Ming, explica a situação:

Celso Ming - OESP, 22.02.07

No Brasil, sua função agora é evitar nova valorização do real ou, na meia-verdade do Banco Central, evitar a excessiva volatilidade do câmbio interno... são preponderantemente aplicadas em títulos do Tesouro dos Estados Unidos... A cada compra de dólares, o Banco Central tem de emitir títulos públicos para retirar do mercado (esterilizar) os reais injetados nessa compra, para os quais paga os juros básicos, hoje de 13% ao ano. Enquanto isso, os títulos americanos nos quais foram reaplicadas as reservas, rendem, como ficou dito, entre 4,5% e 5,0%. A diferença, hoje em torno de US$ 5 bilhões por ano, é um preço alto pago pelo Banco Central.

Além de tudo, a aplicação de reservas externas em ativos em dólares corre risco de desvalorização. Todos sabemos que a economia americana está desequilibrada. Há dois megadéficits engolfando seu sistema produtivo: o das contas externas (da ordem de US$ 763,6 bilhões por ano) e o do orçamento (que no ano passado foi de US$ 248,2 bilhões). Uma das formas esperadas de ajuste é a desvalorização da moeda americana em relação às demais. Uma desvalorização do dólar de 30% transformaria em fumaça perto de 65% do superávit comercial do Brasil formado ao longo de um ano e incorporado às reservas. Enfim, até por medida de segurança, principal função das reservas, seria bom diversificar a aplicação desses recursos.

Isto foi escrito em fevereiro do ano passado. E o dólar, ao longo de 2007, desvalorizou-se em 30%. E qual a política do Banco Central, qual a política que Lula segue fielmente? Comprar mais dólares, com as "reservas" chegando a 200 bilhões de dólares, transformando o Brasil no 4º maior investidor em títulos dos EUA! Assim, as bravatas de Lula de que a crise nos EUA não vai chegar no Brasil, o mito do capitalismo num país só, vai cair como um castelo de cartas e a crise, quando chegar, vai ser muito mais dura no Brasil que nos EUA. Enquanto isso, vamos perdendo recursos valiosos que são drenados e Lula diz que não tem dinheiro para resolver a questão da saúde?

Não, não é assim que as coisas acontecem.

A situação no Brasil, em aparência, é o melhor dos mundos possíveis: o preços das matérias primas e produtos agrícolas, brutos ou semi-industrializados, continua aumentando. O preço dos produtos industrializados cai, e o Brasil importa mais dos EUA. Mas, por quanto tempo esta "situação" continuará? Por quanto tempo a situação americana continuará o que é sem cair em recessão?

A economia capitalista é fruto em ultima analise da luta de classes. É a capacidade da burguesia de jogar a crise nas costas dos trabalhadores que permite a ela sair das crises. A disputa eleitoral (que começa com as prévias nos EUA) mostra exatamente isso. O "negro" que se propõe a candidato (Obama) diz que é o único capaz de "unir a nação", "vencer a guerra do Iraque" e aí, "retirar nossas tropas". Traduzindo: trabalhadores, sacrifiquem-se mais para que a nação unida possa explorar melhor o povo iraquiano em benefício da burguesia americana, que hoje não conseguimos retirar lucros de lá.

O tempo é função desta luta e a classe trabalhadora sabe que não pode ceder. A cada momento, em cada demissão em massa, nas promessas de Lula de congelar os salários dos servidores, em cada ataque que os trabalhadores sofrem eles precisam saber: é a burguesia que prepara-se para "enfrentar" a crise que vem a seu modo – jogando-a nas costas dos trabalhadores.

A tarefa dos marxistas é preparar e ajudar a vanguarda dos trabalhadores a entender esta situação e a preparar os combates que virão nos duros momentos que se avizinham.

 
 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Aumento de impostos e a Saúde pública


Luiz Bicalho



O governo anuncia um novo plano para “resolver” a situação criada com o fim da CPMF. Neste novo plano, será aumentada o IOF (Imposto sobre transações Financeiras) e a CSLL (Contribuição sobre o Lucro Liquido) dos bancos. Como isto atingirá o comum dos mortais?

Em primeiro lugar, devemos notar que uma parte dos trabalhadores, os que ganhavam até 3 salários mínimos eram isentos da CPMF, tendo para tanto um desconto na alíquota do INSS. Ou seja, o fim do CPMF é “neutro” para estes trabalhadores, nem ganham nem perdem. Com o aumento do IOF eles, isso sim, passam a pagar mais por qualquer empréstimo que fizerem (medida que vai repercutir na taxa de juros)

Depois, para um grande numero de trabalhadores que hoje depende dos cartões de crédito e de empréstimos pessoais para o dia-a-dia, será como se quase nada tivesse acontecido: ganham muito pouco (o fim do CPMF é “compensado” com o aumento do valor dos juros dos empréstimos).

Os bancos aumentarão taxas e juros por conta do aumento da CSLL? Precisa se ver o futuro. O lucro bancário está muito alto e, de qualquer forma, estes valores retornam aos bancos via pagamento de juros...

Mas o fim da CPMF criará, como o governo alega, problemas para a Saúde? Só se o governo assim quiser, já que com o aumento da atividade produtiva está ocorrendo um aumento da arrecadação e provavelmente teremos isso este ano. Assim, será uma decisão do governo saber se a saúde será ou não prejudicada.

De qualquer forma, o fim da CPMF “justifica” os problemas pelos quais passa a Saúde, que não vieram deste fim. Aliás, a saúde pública encontra-se na UTI faz tempo e a manutenção do CPMF não teria modificado nada, já que a política para o setor (Municipalização, destruição dos serviços nacionais, etc) levam a destruição e sucateamento da saúde. Como partimos de um quadro já ruim, o que temos é o verdadeiro caos que atinge as grandes cidades como Rio e São Paulo no atendimento emergencial, no incêndio do Hospital das Clinicas de São Paulo, no escândalo das mortes que poderiam ser evitadas se houvesse médicos, equipamentos e medicamentos no momento em que doentes chegam em postos de saúde e hospitais. Para não dizer que mentimos, a febre amarela ressurge em ...Brasília, na capital do País!

Isto sem falar nos que morrem sem ter conseguido chegar no hospital ou nas datas de atendimento, os que morrem por falta de medicamentos, os que morrem porque não tem datas para se marcar cirurgias e tratamentos.

Sim, a discussão no Congresso, nos jornais, é sempre quanto se tem de dinheiro, se tem mais impostos ou não. Para os que sofrem e morrem nos hospitais e postos de saúde cada vez mais sucateados, esta discussão parece estar no limbo.

A nossa compreensão é que precisaríamos, isso sim, de um Sistema Nacional de Saneamento e Vigilância Sanitária (com planos de investimento públicos em redes de água e esgoto, com planos para erradicação de moléstias e vetores de transmissão de doenças endêmicas e epidêmicas como febre amarela, dengue e cólera), de hospitais e postos de saúde públicos construídos e geridos nacionalmente, a partir de dados do número de habitantes e não atendidos os municípios que tenham “influência” política, que sejam contemplados em “emendas” parlamentares, laboratórios públicos e fábricas de medicamentos públicos.

Isto poderia começar com a estatização de todos os hospitais e postos de saúde privados que recebem verbas públicas, com a estatização de todas as fábricas de medicamentos que receberam incentivos fiscais. O problema, como já analisamos em outros textos, é que o governo Lula, governo em que um partido de trabalhadores governa em coalizão com a burguesia, atende as necessidades da burguesia e a saúde, como sempre, só é lembrada nas negociatas das emendas parlamentares, nos planos que transferem dinheiro para hospitais e construtoras privadas e no dia que precisam de desculpa para aumentar impostos. Medidas que propomos podem ser aplicadas por este governo? Duvidamos. È preciso dar o passo no sentido de exigir o rompimento da coalizão com a burguesia para caminhar nesta direção.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Paquistão – ultimas noticias

Paquistão: Governo acoberta o crime – as massas exigem ações contra os conspiradores

Alan Woods

31 de dezembro de 2007

O assassinato de Benazir Bhutto levou a uma explosão de fúria popular. O Paquistão encontra-se convulsionado por distúrbios e protestos de massas. A sociedade está profundamente agitada. As emoções humanas mais elementares derramaram-se pelas ruas de cada cidade e povoado. O exército e a polícia são impotentes para deter a maré de indignação. O governo está profundamente abalado.

Segundo a versão oficial, Al-Qaeda está por trás do assassinato. Esta explicação é conveniente por muitas razões: explica tudo e não explica nada, visto que ninguém sabe quem é Al-Qaeda, onde ela está ou quem está por trás dela. Ela é uma organização misteriosa e aparentemente todo-poderosa que se encontra presente em todos os lugares, mas que não pode ser descoberta ou ter seus objetivos identificados. Porque é invisível e invencível, não surpreende que ninguém tenha sido preso, julgado ou punido por seus crimes.

Esta explicação é altamente conveniente para Musharraf e as autoridades em Islamabad, uma vez que os absolve de toda responsabilidade pelo assassinato de Benazir Bhutto. Não precisariam procurar os assassinos, visto que já foram encontrados. Não precisariam investigar o crime porque seus autores já foram identificados. Al-Qaeda! Esta simples palavra resolve todos os problemas!

Também para Washington esta explicação é altamente satisfatória. Ela ajuda a um assediado George Bush e a sua desacreditada Guerra contra o Terror. Para o cético público americano, ele pode repetir o velho conto de fadas da Al-Qaeda como uma força universal diabólica empenhada em dominar o mundo. Al-Qaeda! É tudo trabalho da Al-Qaeda!

Mas como a névoa da propaganda começa a se dissipar, está se tornando óbvio de modo crescente que o assassinato de Benazir Bhutto não foi uma ação de fanáticos religiosos dementes e sim parte de uma cuidadosamente planejada conspiração, e que os fios desta conspiração conduzem aos altos escalões do Estado paquistanês e da classe dominante.

A conduta das autoridades paquistanesas antes, durante e depois do assassinato aponta o dedo acusador em direção aos próprios centros do poder em Islamabad. Depois do primeiro atentado a sua vida em 19 de outubro, Benazir Bhutto escreveu repetidamente a Musharraf exigindo uma investigação para se encontrar os responsáveis pela morte de 140 pessoas inocentes. Nenhuma investigação foi feita e ninguém foi levado a julgamento ou punido por este ato de assassínio em massa.

Benazir Bhutto também pediu repetidamente segurança adicional, que nunca lhe foi proporcionada, embora as ameaças a sua vida fossem bem conhecidas. No momento de seu assassinato não havia nenhum policial à vista próximo ao seu automóvel. O caminho do assassino estava aberto.

Mas, que assassino? Segundo o governo, não havia nenhum assassino porque não houve assassinato. A desafortunada Sra. Bhutto morreu em decorrência de um ACIDENTE. Ela simplesmente caiu e bateu a cabeça fortemente. Esta foi a explicação dada pelo governo do Paquistão a uma nação atônita. Como o porta-voz do PPP, Sherry Rehman, corretamente afirmou, isto é um insulto a uma nação aflita.

O fato de que havia testemunhas do acontecimento não vale nada na visão das autoridades. O fato de que muitas pessoas viram um homem aproximar-se do carro de Benazir Bhutto após a carreata e disparar tiros em sua cabeça e de que também viram o homem-bomba explodir-se matando 30 pessoas e ferindo muitas outras, é irrelevante. ELA SIMPLESMENTE BATEU SUA CABEÇA COM FORÇA.

Se fosse este o caso, não haveria nenhuma necessidade para toda uma nação encontrar-se em estado de choque, nenhuma necessidade de aflições e lamentações impróprias ou protestos. Teria sido um acidente desafortunado e ninguém pode ser incriminado por um acidente.

Sherry Rehman, dirigente nacional do PPP, estava com Benazir quando ela foi assassinada. Ela a viu ser atingida, acompanhou-a ao hospital e viu sua cabeça ferida a bala. Também viu o ferimento de saída. Mas como ela poderia ter visto tais coisas, quando isto não aconteceu? Ela deve ter imaginado isto, da mesma forma como toda a nação deve ter imaginado.

Não, não há nada de suspeito sobre esta morte. Como sabemos? Sabemos disso porque todas as mortes suspeitas são seguidas por uma AUTÓPSIA. Mas aqui não houve nenhuma autópsia. As autoridades rapidamente deram o veredicto de MORTE POR ACIDENTE (causada por Al-Qaeda) e o corpo foi precipitadamente entregue para o enterro. Agora, não há mais corpo para examinar. Então, todos os requerimentos para uma autópsia são irrelevantes e a morte pode ser considerada como normal.

Da mesma forma também foi normal o fato de que o governo em Islamabad nunca tenha investigado a primeira tentativa de assassinato. Como também é normal o fato de que eles não tenham nenhuma intenção de investigar o presente assassinato. E também é normal o fato de que eles são cúmplices em ambos os casos.

Musharraf declarou que está determinado a encontrar os culpados e castigá-los. É o mesmo que dizer que existem suspeitos. Ele não pode dizer mais nada, quando o povo do Paquistão encontra-se nas ruas descarregando sua raiva perante a atrocidade e gritando slogans contra Musharraf e seu regime.

Estamos seguros de que eles logo apresentarão estes suspeitos, declarando-os como agentes locais de Al-Qaeda. Em países como o Paquistão não há nenhuma escassez de patifes miseráveis que matariam um homem ou uma mulher por algumas centenas de rupias, ou de fanáticos religiosos ansiosos por se explodirem para ganhar uma passagem ao paraíso. Eles podem ser apresentados em público e responsabilizados por este crime ou qualquer outro.

Mas tais elementos não desempenham qualquer papel independente. São apenas marionetes que dançam nos cordéis que são segurados firmemente por outras mãos.

Atualmente, o fundamentalismo islâmico gosta de posar como um movimento antiamericano e antiimperialista. Mas foi originalmente uma invenção do imperialismo EUA, criado para combater o comunismo e atacar os russos no Afeganistão. O próprio Bin Laden foi um agente da CIA, que apóia a corrupta clique dominante na Arábia Saudita. Washington criou um cão hidrófobo que se virou contra seus amos e morde a sua mão.

Foi o imperialismo EUA que criou a ditadura de Zia no Paquistão. Foi a CIA que ajudou a enforcar Zulfiqar Ali Bhutto. Zia nutriu os fundamentalistas paquistaneses, usando dinheiro americano e saudita. Eles criaram o exército de fanáticos que agora estão embriagados.

A concepção de que o Paquistão é uma nação de religiosos fanáticos é uma calúnia ao povo dessa grande nação. Os partidos fundamentalistas sempre obtêm muito poucos votos nas eleições. Sua base real de apoio não se encontra entre as massas, mas nos escalões superiores do poder: no Estado, no exército e no ISI [serviço de inteligência estatal paquistanês]. Sem o apoio e o financiamento do Estado os fundamentalistas nada seriam.

No passado, eles obtiveram ajuda financeira em profusão dos americanos e dos sauditas. Eles ainda obtêm dinheiro dos sauditas, que manobram para combinar sua subserviência diante do imperialismo EUA com o apoio a cada movimento reacionário fundamentalista. Mas os seus antigos financiadores em Washington viraram-se contra eles. Os interesses do imperialismo EUA forçaram-no a ocupar o Afeganistão. Isto obrigou ao ISI a abandonar suas ambições no Afeganistão e minimizar seu apoio ao Talibã e Al-Qaeda, o que fazem a contragosto.

De fato, é bem conhecido que um setor significativo do ISI nunca abandonou o seu apoio a Bin Laden e ao Talibã. É um segredo conhecido por todos que eles recebem abrigo e mimos no Paquistão. Há um Estado dentro do Estado que opera nas sombras e é protegido no mais alto nível. Nessas sombrias regiões, conspirações, complôs e assassinatos são o modo normal de vida.

Os atores públicos nessas conspirações são os mulás, os fanáticos das madrassas fundadas pelos sauditas e os filhotes das famílias ricas em Islamabad que aterrorizam os cidadãos normais escondidos sob máscaras. Mas eles são apenas marionetes nas mãos de outros que permanecem longe dos holofotes, mas cujas identidades são conhecidas.

Antes de morrer, Benazir enviou uma mensagem privada nomeando três indivíduos que ela acusou de organizar o primeiro atentado a sua vida: um oficial reformado do exército, um dirigente da Liga Muçulmana, antigo ministro-chefe da província de Sind, e um oficial do ISI. Nenhuma investigação governamental sobre o seu assassinato pode ser considerada com seriedade sem que estes homens sejam presos e levados a julgamento.

As massas que estão despejando sua raiva nas ruas não serão enganadas por um julgamento espetáculo em que alguns pobres coitados serão responsabilizados pelo que claramente era um CRIME DE TERRORISMO DE ESTADO.

Visando dar uma expressão organizada ao movimento espontâneo de protesto das massas, os marxistas do Paquistão avançaram a consigna de uma greve nacional de protesto. Mas resultou impossível concretizar esta consigna nas condições reais. A gigantesca mudança de rumo do movimento, que envolveu milhões de pessoas não-organizadas e politicamente pouco instruídas num estado psicológico de mágoa e desespero, subjugou a vanguarda proletária. Sob tais condições, alguns milhares de quadros revolucionários são como uma gota d'água no oceano.

Adicionalmente, o governo agiu rapidamente para desviar a ameaça de greve geral proclamando três dias de luto nacional. Os camaradas encontraram-se trabalhando em difíceis condições: era quase impossível se mover; não há trens, ônibus ou aviões; não há gasolina e os postos de fornecimento estão fechados; as estradas estão bloqueadas por barreiras; as estações ferroviárias e os ônibus estão sendo incendiados; a violência nas ruas tem dado ao Estado a desculpa para lançar o exército com ordens para atirar para matar. Pelo menos quarenta pessoas foram mortas.

Os protestos espontâneos de massa, por essa razão, não têm liderança e nenhum objetivo consciente e cedo degeneraram no caos, em incêndios criminosos e em pilhagens. Na atmosfera prevalecente de desintegração social, escassez e desespero, os elementos lúmpen e criminosos tiram vantagens do caos para os seus próprios objetivos. É provável que estas atividades criminosas tenham sido encorajadas pelos reacionários para desacreditar o movimento e justificar as restrições governamentais e a imposição do estado de emergência. Não foi acidental que alguns dos desordeiros tenham atacado locais de votação e queimado registros de eleitores.

Os atuais protestos anárquicos e desorganizados nada conseguiram. Mas podem ser substituídos por um movimento nacional de protesto em que a classe trabalhadora deve tomar a liderança. Em lugar de queimar pneus e carros, o que se necessita é reorganizar a vanguarda proletária o mais rapidamente possível e preparar-se para um movimento revolucionário de massas em escala nacional, avançando oportunamente palavras de ordem transicionais que estejam em sintonia com o ânimo e aspirações das massas.

Para se prepararem para isto, comitês de ação devem ser montados em todos os lugares. Os marxistas do Paquistão já iniciaram a organização desses comitês entre os trabalhadores do aço em Karachi. Também estão organizando comitês de ação da juventude. É disto que se necessita! Este exemplo poderia ser estendido a cada fábrica, local de trabalho, faculdade e universidade no Paquistão.

Os marxistas do The Struggle estão na linha de frente do movimento de protesto de massas. O camarada Manzoor Ahmed, membro marxista do parlamento, lidera demonstrações de massa de milhares de pessoas em sua circunscrição eleitoral de Kasur, no Punjab. Em todos os lugares, os marxistas paquistaneses estão tomando a iniciativa. Eles imprimiram 100 mil panfletos com o título: "O sangue de Benazir é o seu sangue: agora a Revolução virá!". Eles estão exigindo a punição de todos os autores da conspiração, a exoneração de Musharraf, a imediata convocação de eleições e o retorno do PPP ao seu programa socialista de 1970.

Hoje (domingo) termina os três dias de luto oficial e as condições para o trabalho organizado de massas serão melhores. Os marxistas paquistaneses estão cumprindo o seu dever revolucionário. Sua mensagem está obtendo eco nas fábricas, entre a juventude revolucionária e os elementos avançados do PPP, mesmo nos níveis de liderança.

O Paquistão está se movendo rapidamente em direção a uma situação pré-revolucionária. As massas estão entrando no caminho revolucionário, mas elas estão enfrentando enormes obstáculos e perigos. É imperativo que elas recebam pleno apoio do movimento internacional dos trabalhadores. Em nome dos camaradas do The Struggle, pedimos a todos os leitores de Marxist.com, a todos os trabalhadores, estudantes, socialistas, comunistas, sindicalistas a prestar o seu apoio. Necessitamos dinheiro para construir o movimento revolucionário no Paquistão, a chave da revolução na Ásia. Por favor, respondam com urgência!

Madri, 30 de dezembro de 2007.