quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A crise chegou?

Luiz Bicalho – janeiro/2008

No ano passado, durante uma das quedas da bolsa, o Presidente Lula anunciou que a crise não chegaria ao Brasil. Agora, em janeiro, os "analistas" de plantão nos principais jornais do mundo estão divididos, meio a meio, entre aqueles que acham que a crise não abalará as economias "emergentes", como Brasil, India e China e aqueles que acham que os efeitos da crise serão menores nestes países. Ah, sim, todos concordam que a crise está chegando ou já chegou.

Se fossemos medir a vida diária pelos solavancos das bolsas de valores, a vida sofreria impactos violentos. Um dia a bolsa sobe, no outro dia cai mais ainda. Mas, existe uma tendência e a tendência é a queda dos valores das ações (a perda de valor na bolsa brasileira chega a 400 bilhões de reais, ou seja, 10 vezes mais que o governo arrecadaria com a tal da CPMF). Cada subida é seguida por uma queda maior, onde se misturam boatos, conversas, meias medidas, medidas inteiras tomadas por governos e banco centrais, onde tudo é cada vez mais volátil e nada é seguro. A melhor coisa que todos os analistas dizem aos clientes que compraram ações é "não venda"...e eles continuam vendendo. Mais de 4 bilhões de dólares de capital estrangeiro tinham saído da bolsa de valores de São Paulo no começo deste ano.

Simplificando o que dizem os analistas, para eles toda a origem da crise é o fato de que empréstimos feitos com poucas garantias para compra de casas nos EUA (e, atenção, este mesmo tipo de empréstimo foi feito na Europa) não foram pagos; Para garantir os bancos e investidores, estes emprestimos tinham sido empacotados pelos bancos e transformados em "fundos" que foram vendidos para outros bancos nos EUA e no mundo inteiro, ou seja, tomava-se dinheiro do mundo inteiro para emprestar aos compradores de casa nos EUA; tinham sido contratados seguros de bancos e empresas no caso dos empréstimos e dos fundos não serem pagos. E o problema, ainda segundo os analistas, é que as próprias seguradoras não conseguiram segurar a onda porque o numero de empréstimos não pagos foi alto demais.

Tudo isso é verdade? É. Mas este não é o único problema, o problema real é a forma como o capital vem sendo reproduzido, forma essa que é conseqüência do desenvolvimento do capitalismo e não pode ser mudada por ações de bancos centrais ou tomada de decisões de governos. Sim, olhar o obvio, como fazem todos estes analistas equivale a levantarmos de manhã, vermos as nuvens escuras e decretar: vai chover. Mas, no dia anterior, para saber o tempo no dia seguinte, os meteorologistas, armados com as teorias sobre a variação climática, escolhem e recebem os dados de satélites e estações de medição, tem que correlacionar estes dados com as teorias conhecidas sobre mudanças de tempo e então fazer uma previsão com uma determinada precisão: há 80% de chance de chover.

Na economia, poderia valer uma situação destas. Mas, aqueles que tem os dados, os economistas e banqueiros dos grandes bancos, dos bancos centrais, não tem o essencial: a teoria. E os que tem a teoria, por serem os combatentes mais renhidos contra o sistema, por saberem que o melhor guarda-chuva que nos protegerá das tempestades e furacões capitalistas é a luta encarniçada pelo socialismo, nunca conseguem todos os dados necessários. Assim, trabalhamos com o pouco que vem a tona durante as crises e com os dados soltos nos balanços e analises dos economistas burgueses.

E de onde partimos para buscar os dados? A começar que o sistema capitalista é movido pela busca do lucro, de aumentar a taxa de lucro, da competição entre os diferentes grupos e capitalistas nesta busca. Que o lucro advem da exploração da força de trabalho, do trabalho não pago (mais valia), que para ser realizado é necessário produzir e vender e, após a sua realização é distribuído – no lucro industrial, nos impostos, nos juros e dividendos pagos a bancos, etc. Esta é a base real sobre a qual se estrutura a economia e sobre a qual o desenvolvimento capitalista chegou a um estágio tal em que luta pelos dividendos e juros se torna brutal e é onde se concentra uma boa parte da competição capitalista.

Os analistas burgueses de plantão se perguntam quando a crise chega as bolsas: esta crise vai afetar a economia real? Ora, ora. Einstein dizia que o problema da ciência não é obter as respostas, mas saber fazer as perguntas. A pergunta real é: quais foram os acontecimentos na economia real que levaram a esta crise nas bolsas? E, a partir daí, quais as conseqüências?

A economia capitalista salvou-se da crise dos anos 20-30 do século XX fazendo a maior carnificina já vista pela humanidade: a II Guerra Mundial, onde disputaram os mercados os diferentes imperialistas, assim como disputaram o direito de invadir a URSS, destruir o estado operário e reconquistar este espaço para o capital. O resultado da guerra foi que o vencedor, os EUA, impuseram aos vencidos a sua moeda e o seu mercado. O dólar foi artificialmente ligado ao valor do ouro e todo o comercio mundial passou a ser feito em dólar. Ao fim da II Guerra os EUA produziam entre 40% a 50% dos bens mundiais.

Mas a guerra teve outra conseqüência. A revolta da classe operária levou a revolução operária a uma altura não vista antes. A ocupação do leste europeu pela exercito vermelho levou a expropiação do capital nestes países. A Revolução Chinesa muda a face da Ásia. Cuba faz uma revolução. E se a revolução não chegou aos países "ocidentais", aos países imperialistas, isso se deu pela ação dos partidos comunistas e socialistas que frearam e impediram este desenvolvimento. A IV Internacional fundada por Trotsky revelou-se fraca demais – numérica e politicamente - para conseguir ajudar a impulsionar e concretizar estas revoluções. No final dos anos 50, inclusive com uma imensa propaganda e ação anti-comunista nos EUA (MacCarthy) a revolução tinha sido freada, mas não derrotada. A economia crescia a ritmos galopantes, reerguendo-se por cima dos escombros da II Guerra, reconstruindo com base em créditos governamentais garantidos pelo Tesouro dos EUA (que concentrava em suas mãos praticamente todo o ouro mundial), reconstruída na base das industrias de guerra animadas pela paranoia anti-comunista e pelas guerras reais que o imperialismo deflagrava no mundo para impedir o avanço da revolução – Coreia, Vietnã, Africa, Oriente Médio...

O capitalismo crescia novamente, em um estado de podridão como nunca havia feito antes, onde os pés de barro de um mercado financeiro que cada vez tomava ares maiores frente a produção real eram escondidos pelos números tronitantes da economia. Esse crescimento era, naturalmente, sentido pela classe operária que buscava lutar por seus direitos, que tinha conquistado imensos direitos quando a burguesia no final da guerra entregou os anéis para salvar os dedos e levou a revolução de 68 que percorreu o mundo como um jato de ar fresco, tanto no Oeste como no Leste europeu, na França e na Tchecoeslováquia. Novamente, a revolução foi derrotada com a ajuda dos partidos comunistas e socialistas, mas a economia do dólar começava a entrar em declínio. A produção reconstruída da Europa e do Japão já dava seus ares no mercado mundial e em 71 finalizava-se a paridade artificial ouro-dolar e em poucos anos o dólar desvalorizava-se a olhos vistos. De 30 dolares a onça (uma medida de peso) chegou hoje a quase 900 dolares, 35 anos depois do fim da paridade, uma multiplicação por 30! O dinheiro desvaloriza-se, a produção dos EUA hoje representa algo em torno de 25% da produção mundial. E o estalinismo conseguiu, enfim, destruir o estado operário e trazer o capitalismo de volta a URSS no inicio dos anos 90. Isso criou um novo fôlego ao capitalismo, fustigado pelas revoluções políticas no leste europeu durante os anos 80 e pela retomada das revoluções na America Latina, do qual a Venezuela é uma continuação algo atrasada.

A destruição do estado operário Russo, da URSS foi o maior desastre da história da humanidade. A expectativa de vida baixou bruscamente, a produção caiu mas...o lucro subiu. E para o capitalismo isso é tudo. A entrada do capitalismo na China, feita de uma forma "controlada" pela burocracia do PC Chinês, permitiu ao lado da destruição da URSS um novo fôlego a economia capitalista empodrecida com o crescimento realizado na forma de investimentos improdutivos – armas, drogas, prostituição – e na sustentação cada vez maior de um "mercado" de produtos "financeiros" onde o lucro parece estar descolado da produção.

O problema é que os investimentos reais, financiados por esta ciranda financeira, não deram os lucros esperados. A guerra do Afeganistão não conseguiu construir o gaseoduto gigante para exploração do gás natural existente nas republicas nascidas com o fim da URSS no sul da Russia. A invasão do Iraque não conseguiu retomar a produção de petróleo. E o crédito que foi feito pensando-se nos lucros de tais operações não foi pago. O resultado – uma crise que é contabilizada como "crise de crédito", como se nada tivesse a ver com operações bem reais de investimento capitalista que não deram certo (pois a guerra é o melhor investimento quando se trata de conquistar mercados).

A crise chegou? Começou, embora não disponhamos de todos os dados para saber até onde vai. No momento em que escrevemos estas linhas o segundo maior banco francês Société Générale informou que uma fraude relacionada à atividade de um operador irá resultar em uma perda de 4,9 bilhões de euros (cerca de US$ 7,1 bilhões). O governo Frances declara que isso "nada tem a ver com a crise". Mas no momento em que as perdas dos bancos concentram as crises, isso não levará a um aceleramento da crise?

Não temos e não podemos ter todas as respostas. Sabemos que o capitalismo sempre poderá achar novas saídas. O Brasil mostra isso – o crescimento econômico chegou a 5% o ano passado e a massa salarial cresceu 3%, ou seja, aumentou a parte devida a burguesia. Esta será sempre a saída capitalista – destruir uma parte, desempregar, aumentar a exploração. Num caminho sem volta em direção, não diretamente, mas numa espécie de espiral mal desenhada, com solavancos, em direção a barbárie, a destruição da civilização e da própria espécie humana que o chamado "aquecimento global" prenuncia. O remédio é amargo, mas deve ser menos amargo que a guerra do trafico que assolar os morros do Rio de Janeiro: é organizar a classe operária e fazer uma revolução que varra o capitalismo e seus males da face da terra.

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